Ter, 10/05/2005 - 15:32
Jornal NORDESTE (JN) – O que faz um açoriano em Bragança?
Aurélio Araújo (AA) – Estou em Bragança como poderia estar noutro sítio qualquer. Os açorianos têm uma característica, que julgo que é partilhada pelos transmontanos, que é estarem espalhados um pouco por todo o lado. Há um sentimento de insularidade nos açorianos que os faz sair.
No meu caso, fui para Lisboa estudar, ainda ponderei a hipótese de regressar aos Açores, mas ainda bem que vim para Bragança, porque estou satisfeito por estar a desenvolver aqui a minha actividade profissional.
Neste País há a tendência de ficar no Litoral e eu fiz precisamente o contrário. Acho que contrariei essa tendência. É perfeitamente possível viver em Bragança, mesmo sendo açoriano ou doutra região qualquer. Eu não sinto, particularmente, falta de nada.
JN – Como é ser aluno no interior mais interior de Portugal?
Carlos Mesquita (CM) – É interior do interior, mas mais perto do exterior. Acho que é bom ser aluno em Bragança. Adquirimos os conhecimentos como os que estudam no litoral. Além disso, temos vantagens que os alunos de Escolas e Faculdades de maior dimensão não têm. Temos a possibilidade de ter uma relação mais próxima com os nossos docentes e, na nossa Escola, temos a liberdade de procurar os professores nos gabinetes para tirar dúvidas e resolver problemas.
Ao ser uma Escola do interior há menos confusão e não chegamos atrasados às aulas por causa do trânsito (risos).
Luís Correia (LC) – É um meio totalmente diferente. A relação com os professores é excelente. A adaptação das pessoas que vêm de fora, nomeadamente dos grandes centros, pode não ser fácil, mas depois de se habituarem começam a gostar do meio e das pessoas.
JN – Falem-nos do veículo Shell Eco Marathon. De que forma abraçaram este projecto?
AA – A ideia já tem dois ou três anos, mas só agora foi possível concretizá-la. Partiu de um desafio feito aos alunos no âmbito da disciplina de Projecto. É uma coisa trabalhosa e, talvez por isso, não tivesse sido fácil arranjar pessoas para agarrar este projecto. O Carlos e o Luís tiveram algumas dúvidas no início, mas conseguiram levá-lo por diante, ao ponto de conseguirem uma Menção Honrosa no concurso.
Recordo que não se trata duma iniciativa inovadora, dado que o concurso já conta com a participação de outras Universidades portuguesas. Nós queremos participar na prova e cativar os nossos alunos.
JN – Além disso é mais uma porta que se abre para os alunos do IPB. O que é que vos aliciou mais neste projecto?
CM – No início pensamos que íamos projectar e construir o carro a tempo de participar na prova no mesmo ano. Mas, o professor Aurélio logo nos disse que era preciso ter calma e que não ia ser possível. Nós pensávamos que íamos conseguir, mas quando começamos a entrar nos pormenores, surgiram barreiras que só com muito esforço conseguimos transpor.
O que nos aliciou foi mesmo a oportunidade de participar num concurso onde o objectivo é construir um carro que ande o máximo de quilómetros com um litro de gasolina.
JN – Em que ponto se encontra o veículo?
AA – O carro que foi feito até final do ano lectivo passado é completamente diferente do carro que hoje temos. O que foi feito, até agora, tem a ver com a parte estrutural do veículo, que, depois de algumas alterações, ficou mais leve. Estamos a trabalhar, agora, na parte da transmissão e na modificação do motor. Ainda há muita coisa por fazer e continuamos a aperfeiçoar o carro.
O carro foi construído em alumínio, não pesa mais de 100 quilos e tem três rodas: duas à frente e uma atrás. A carroçaria vai ser feita em fibra de carbono ou vidro e, para isso, estamos a trabalhar com outros alunos do 3º ano e com a colaboração duma docente que eu gostaria de referir, que é a Eng. Carla Caleiro.
Dada esta configuração, existe um grande trabalho feito ao nível da estabilidade e aerodinâmica do veículo. Neste momento já se ultrapassou a barreira dos mil quilómetros com um litro de gasolina e esperamos transpor essa fasquia.
CM – Prevê-se mil quilómetros, mas recordo que há uma equipa francesa, que foi vencedora de um concurso, que conseguiu fazer quase 3.500 quilómetros. Mas eles têm outra tecnologia e uma escola que só se dedica a isto.
JN – Não estavam à espera de receber a Menção Honrosa?
LC – Não. Começamos do zero, incentivados por professores, colegas e funcionários. A única coisa que tínhamos era o regulamento, que era fornecido gratuitamente, e nem sequer sabíamos trabalhar com o software que é usado na construção do carro. Se tivéssemos uma disciplina sobre a modelação do carro e a utilização desse software era totalmente diferente.
Quando desenvolvemos o protótipo do veículo, aproveitamos as férias da Páscoa para fazer uma visita a uma exposição dos carros que já participavam em Portugal, que decorreu no Arrábida Shopping. Fomos fazer espionagem (risos) e conseguimos tirar muitas ideias para o nosso projecto.
JN – Acham que a criação duma unidade industrial de tecnologia de ponta pode ser uma realidade em Bragança?
AA – Não sei se seria viável, mas o motor de desenvolvimento da região passa pela criação de empresas não poluentes. O IPB tem um papel importante nessa tarefa, na colaboração com as empresas já existentes. Existem pessoas qualificadas que saem do IPB, existe “know-how” e estamos numa região geograficamente bem situada, dada a proximidade com Espanha e com outros países da Europa.
CM – Como eu disse no início, sou um transmontano ferrenho. Não quero sair de Trás-os-Montes, mas talvez não seja fácil, porque está tudo no litoral. Se houvesse condições, porque não ficar a trabalhar na região? Agora, a verdade é que não existem grandes perspectivas para quem vai começar a vida. São necessários outros incentivos para os jovens e para as empresas que queiram implantar-se em Trás-os-Montes.
Entrevista de Marcolino Cepeda, Rui Mouta e Mara Cepeda