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Os loucos do poder

Sentam-se à mesa, mas ninguém quer comer porque o prato servido não se consegue engolir. São os loucos do costume. Não se falam, não se entendem e não querem a paz. Sentam-se à mesma mesa para quê?

O Mundo está a assistir nos últimos dias a um crescendo gigantesco de ações de guerra e de nada mais se fala a não ser disso mesmo. Televisões e jornais de todos os países passam o tempo a referir, quase ao minuto, o que se passa no Médio Oriente e na Ucrânia. É uma loucura pegada.

Israel insatisfeito com as atrocidades que está a levar a cabo na Faixa de Gaza, resolveu alastrar a guerra ao Irão com a desculpa de que este está quase a obter urânio enriquecido suficiente que lhe poderia permitir fazer bombas nucleares. Sabemos bem que essa desculpa não é a única para declarar guerra ao Irão. Apesar de haver razões várias para acusar o Irão de apoio belicoso a grupos como o Hamas, o Hezbollah e os Houties, o certo é que pouco mais fazia além disso, mesmo que isso já fosse demasiado. Mas Israel tinha que agir com esse propósito.

Apoiado pelos EUA, Netanyahu sentia-se à vontade para agir contra a ditadura do Irão. E foi o que fez.

Contudo, Netanyahu para se manter no poder, tem de dar aos israelitas essa noção de poder e de força superior, fazendo com que os partidos que suportam o governo se mantenham unidos. É um objetivo comum e que interessa ao primeiro-ministro, pois quando isso deixar de acontecer, corre o risco de sair do governo, ser julgado e ir preso.

Deste modo, Netanyahu tem de manter o país em guerra constante alicerçando o seu discurso na defesa do país contra os que são inimigos de Israel. Se o Irão tivesse uma bomba atómica, Israel corria um sério perigo e isso não pode acontecer.

Para Trump isso interessa, pois Israel é um dos seus aliados mais fortes no Médio Oriente e é ali que estão grandes interesses económicos e bases militares americanas. Assim, os EUA continuarão a ajudar Israel até conseguir os seus objetivos. Esta comunhão de interesses sustenta esta guerra, ainda que se diga constantemente que se deve negociar a paz. Contudo, Trump refere-o, mas pede uma rendição incondicional do Irão o que implica não continuar o enriquecimento de urânio.

Mas a solução não é fácil. O líder do Irão não cede a chantagens e não quer conversações quando se vive em guerra constante. A não ser que Israel acabe com a guerra, o Irão não se senta a mesa das negociações. No entanto, não se deve subestimar o poder do Irão. Apesar de Israel controlar os céus do Irão, isso não significa que este não cause muitos estragos em Israel, como aliás se tem visto. É uma guerra a que Israel não estava habituado.

Estamos perante três loucos compulsivos que, ambiciosos de mais poder, não se importam com as vidas que dizimam e com o que destroem. Muito embora Trump encha a boca com “as mortes que acontecem” em Gaza, na Ucrânia, na Rússia, na Síria, no Líbano e agora no Irão e em Israel, ele vai enviar uma Task Force para o Médio Oriente e soldados integrados em missões especiais que se desconhecem.

Vai acabar por acontecer uma intervenção dos EUA neste conflito, mesmo que no seu programa eleitoral, Trump tenha dito que iria desviar a América dos conflitos e guerras que não eram as suas. Já estamos habituados às ambiguidades de Trump. Como se pode ser tão louco e insensível? Pelo menos mandou fechar a sua própria Embaixada em Jerusalém. Sabe, com toda a certeza, o que vem pelo caminho, face às ameaças do Irão. Para os EUA, esta guerra não é desnecessária, perante a possibilidade de o

Irão conseguir ter armas nucleares. Seria demasiado perigoso, até mesmo para a Europa. Por enquanto, Trump vai aguardar mais um tempo para que a diplomacia funcione entre os beligerantes. Há fragilidades de parte a parte e pode ser que funcione.

Vimos como o escudo de defesa de Israel também é falível. O Irão conseguiu entrar e destruir bairros em Haifa, Telavive e Jerusalém. Os israelitas contabilizam já algumas dezenas de mortes e muitas mais vão acontecer certamente. O Irão é demasiado grande para se dominar em pouco tempo. Terá de haver uma insurreição de dentro para fora que seja capaz de derrubar o poder dos Aiatolas de modo a levar o país a uma alteração de regime, talvez uma democracia. Fácil não é. A grandiosidade da antiga Pérsia não voltará tão depressa.

Mas esta guerra tem uma componente surreal. É que antes de atacarem, avisam o país inimigo quando e onde vão cair os mísseis. Claro que isto evita muitas mortes, mas não deixa de ser caricato. Parece um jogo de crianças que só acaba quando um dos contendores ficar sem munições.

Identicamente acontece na guerra entre a Rússia e a Ucrânia. Putin não quer perder a face embora esteja com dificuldades óbvias, mas desistir não é seu feitio. No entanto, continua a estar disponível para negociar a paz, mas não quer perder o poder que tem dentro da Rússia e, talvez, fora dela. Manter o carisma de segunda grande potência mundial, é primordial. Mas do outro lado, o invadido, também não cede e com razão, às exigências de paz que Putin impõe na mesa de negociações. Demonstrações de poder de loucos que, sendo loucos, não se apercebem da tamanha loucura que teimam em manter.

Entretanto, nas ruas de Teerão, de Telavive, de Haifa, de Kiev ou de Odessa, continuam a ouvir-se gritos de quem tudo perdeu sem culpa das ambições dos loucos do poder.

Luís Ferreira