Ter, 29/07/2025 - 10:41
Nas páginas desta edição, contamos histórias que nos reconectam com o que de mais humano existe: o ato de cuidar. No coração do Nordeste Transmontano, onde a ruralidade é tantas vezes associada à solidão e ao abandono, encontramos exemplos que desmentem esse estigma. Há pessoas que, discretamente, abrem a porta de casa (e do coração) a crianças que não puderam crescer em segurança nas suas famílias biológicas.O acolhimento familiar, que começa agora a dar os primeiros passos no distrito de Bragança, é mais do que uma resposta social. É um gesto de cidadania e um ato de amor com rosto, nome e consequências concretas.
É notável que, num território com tantas dificuldades estruturais, seja em Macedo de Cavaleiros que se implemente a única resposta distrital desta medida, promovida pelo Centro Social Nossa Senhora de Fátima. Com apenas sete famílias envolvidas em dois anos, o projeto é ainda pequeno nos números, mas gigante na transformação que provoca. Porque transforma a vida das crianças e transforma, igualmente, quem as acolhe.
A história da Conceição e do Armando, em Torre de Moncorvo, é um exemplo comovente de como a solidariedade se pode tornar num modo de vida. Depois de uma vida na cidade, regressam à terra dos avós e abraçam uma missão que poucos ousam: cuidar de três irmãos pequenos, vítimas de um passado que não escolheram. Na simplicidade da aldeia, reencontram o sentido da palavra “família”, onde o pequeno-almoço partilhado, os passeios ao supermercado e o toque tranquilizador durante a noite compõem uma nova narrativa de pertença e segurança para estas crianças.
Também Adrienne, irlandesa de origem, mas transmontana por escolha, faz parte desta rede silenciosa de bem. Ao abrir as portas da sua casa, permite que dois irmãos tenham uma vida normal: escola, cuidados médicos, regras, afeto e, acima de tudo, autoestima. A recuperação visível destas crianças, que chegaram mal nutridas e com graves lacunas no desenvolvimento, é a prova viva de que, com apoio, qualquer criança pode florescer.
O acolhimento familiar não é uma tarefa fácil, nem isenta de dores. Os laços criados são intensos e o dia da despedida será sempre difícil. Mas cada mês vivido com amor, cada ensinamento transmitido, cada pesadelo acalmado com um “está tudo bem”, contribui para construir memórias que, para aquelas crianças, são a base de um futuro mais digno.
Num tempo em que se discutem reformas do Estado e se olham estatísticas de institucionalização, importa não esquecer que as políticas públicas só ganham sentido quando chegam às pessoas. E esta é uma resposta que precisa de mais divulgação, mais investimento e mais coragem social. Porque não basta falar de proteção de menores, é preciso agir. E há, felizmente, quem o faça, todos os dias, de forma anónima e com impacto profundo.
Que o exemplo destas famílias nos inspire. Porque, no fim de contas, ser família é estar presente. Neste território, onde tantas vezes se lamenta o envelhecimento, o despovoamento e a falta de respostas sociais, são histórias como estas que nos recordam que o futuro também se constrói aqui. Quando há vontade, afeto e espírito de missão, a nossa região mostra que está à altura dos grandes desafios humanos. E não há desafio mais nobre do que salvar infâncias.
Cátia Barreira, Diretora de Informação