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José Mário Leite

COMER, LER OU RESPIRAR?

Há quarenta anos, altura em que co- mecei a demandar, com alguma regularidade, o Planalto, para ir de Moncorvo a Mogadouro, tinha de se passar por Carviçais e ainda bem. Fazía por ultrapassar a Serra do Robo- redo, a meio do dia e, antes de abandonar a longa fila de casario, encostava à direita, quase ao fim da última reta e franqueava uma porta rústica para me banquetear com a Posta do Artur, uma das melhores do nordeste. O restaurante, apesar de exíguo (em alturas de grande enchente, sobretudo no tempo da caça, prolongava-se para um quintal, as traseiras) era famoso, como o testemunhavam as inúmeras e criativas mensagens espalhadas pelas paredes. A notoriedade do estabelecimento confundia-se com a do seu proprietário, o Artur, e che- gava longe, tendo ficado célebre um dito do mesmo. Quando um comensal lhe solicitou a ementa o dono do estabelecimento olhou-o de frente e questionou-o: “O senhor veio aqui, para comer ou para ler?”. Para comer, sem dúvida, iam, vão e irão (espera-se) a Carviçais todos quantos apreciam a boa posta mirandesa. Esperemos que continuem a ir porque as nuvens que se vislumbram no céu são negras e pesti- lentas. Anuncia-se a construção, para breve, de uma fábrica de transformação de bagaço de azeitona que irá desfigurar a pacata e ecológica povoação de Carviçais. Seria dramático se o emblemático Artur tivesse de alterar o rifão que o notabilizou e, perante a reclamação de algum cliente, por causa da escuridão do ar e do insuportável cheiro tivesse de o questionar: “O senhor veio aqui, para comer ou para respirar?” O drama de Carviçais não se restringe ao restaurante O Artur, que se expandiu e mudou de lado da estrada que atravessa a aldeia. Os comensais podem escolher onde comer e o próprio estabelecimento pode mudar, mais uma vez, de lugar. Mas os habitantes, não! E o que dizem eles do que lhes está prestes a cair sobre a cabeça? Obviamente, estão con- tra! E, em consequência, contra a instalação de tal em- preendimento, estarão os seus legítimos represen- tantes. Não! Não estão! Vão dizendo que não estão a favor, que tal ativida- de não está alinhada com o programa com que foram eleitos mas... ninguém os ouviu dizer que estão total e inequivocamente, Contra! Pois bem, felizmente es- tamos num regime democrático e a oposição, de certeza que aproveitará o apoio popular para ma- nifestar a sua manifesta desaprovação de tal iniciativa! Pois é... Mas, inexplicavelmente, também não é assim! Como não? Não. Estão, obviamente, ao lado da população, mas também com grande compreensão para com os oli- vicultores cujo “problema” de destino final dos resí- duos dos lagares de azeite, é necessário resolver! Pro- blema esse que se agravou, nos últimos tempos, com o grande aumento da produção de azeitona. A produção de azeitona aumentou, muito. No Nordeste? Em Trás-os-Montes? No Norte? Não. No Alentejo de onde é, curiosamente, originária a empresa que se propõe vir poluir os ares e solos nordestinos. As estranhas “especificidades” deste processo não se ficam por aqui, mas não cabem, já, nesta crónica. Voltaremos ao assunto, brevemente!

DOUTORAMENTOS EM SAÚDE, NO NORDESTE

Foi público que os deputados eleitos pelo distrito de Bragança ultrapassaram as diferenças ideológicas e partidárias unindo-se em torno da proposta de lei que há de conceder aos Institutos Politécnicos
a capacidade de conferirem o grau de Doutor. É uma medida que pode trazer ganhos para o nordeste. Os reitores universitários estão contra. Claro! Não querem perder o monopólio.
Os doutoramentos, em Portugal, tradicionalmente eram feitos no seio das universidades, de forma restrita e endogâmica. Daí a dificuldade em evoluir e diversificar, crucial na investigação científica contemporânea. A “rutura” aconteceu em 1993 pela mão e, sobretudo, vontade e empenho de quatro homens: Vitor Sá Machado, Administrador da Gulbenkian, António Coutinho, Diretor do Instituto Pasteur, Alexandre Quintanilha investigador no ICBS e no IBMC, e Valente Oliveira, Ministro do Planeamento. Outros e outras vontades se lhes juntaram para concretizar o primeiro Programa de Doutoramento, lecionado fora das universidades, embora o grau fosse atribuído por uma instituição do ensino superior. Mariano Gago viria apoiar e reforçar este movimento.
O PGDBM - Programa Gulbenkian de Doutoramento em Biomedicina (mais tarde replicado no Porto e em Coimbra) formou dezenas de jovens investigadores, conhecidos então por “super-doutores”. Regressaram, na sua grande maioria a Portugal e, quando foram instituídas as “grants” milionárias da União Europeia, foram eles os principais beneficiários trazendo para Portugal, só nesse Programa, mais do triplo do dinheiro investido nos seus estudos. Algo parecido pode acontecer agora com a chegada deste grau académico aos Institutos Politécnicos. Vontades e empenho estão a ser reunidos à volta do IPB para iniciar em Bragança um programa exemplar.
O mentor do PGDBM, António Coutinho, está empenhado em contribuir com o seu conhecimento, experiência e influência e a Fundação Champalimaud já exprimiu o seu apoio a esta iniciativa. Coloca-se a pergunta óbvia: doutoramento, em que área?
Esta é, julgo eu, uma pergunta de resposta fácil: Doutoramento em Tecnologias de Saúde. Na Escola Superior de Saúde, certamente, mas também na Escola Superior de Tecnologia, dado o atual estado da arte dos cuidados médicos.
Fernando Araújo, Presidente do Hospital de S. João, afirmou recentemente que “pensar que o atendimento se faz apenas com médicos é não entender os princípios modernos na prestação de cuidados de saúde, em equipa”.
O antigo Secretário de Estado da Saúde sabe bem o papel dos técnicos de saúde e que será tão mais relevante e mais eficaz quão maior e melhor for a sua formação.
Cada vez mais. Numa altura em que a chegada da Inteligência Artificial aos hospitais é já uma realidade, a importância da formação avançada em tecnologias é cada vez maior.
Se é do conhecimento geral haver, de vez em quando, equipamentos sofisticados hospitalares, sem uso só pode ser devido à inexistência de quem os opere, adequadamente. É urgente formar quem o faça. Em Bragança, porque não?

A PÁTRIA E A LÍNGUA

Quem, em Bruxelas, chegando à Praça Eugène Flagey, procurar um pequeno espaço triangular e ajardinado na confluência da Rue des Cygnes depara-se com um monumento de homenagem ao grande poeta e pensador português, Fernando Pessoa. Por baixo do busto está uma das suas frases mais célebres: “A minha pátria é a língua portuguesa”. Quando Pessoa a enunciou, a pátria lusa estendia-se pelas sete partidas do mundo e o postulado pessoano acrescentava-lhe o Brasil. Já então não havia coincidência entre as fronteiras fonéticas e administrativas e muito menos as há agora. Mas, mesmo que nos limitemos ao atual retângulo ibérico, berço da pátria e da língua, estamos a falar de duas realidades diversas. Na atualidade, ao português falado e reconhecido dentro dos limites administrativos nacionais é necessário juntar mais duas formas de expressão oficialmente reconhecidas: a língua gestual e a lhéngua mirandesa. Mas não só. Tendo embora a mesma origem, no reino da Galiza de onde se destacou o Condado Portucalense e se autonomizou o galaico- -português, distinto do castelhano que tem vida e percurso autónomo como brilhantemente demonstrou Fernando Venâncio, a geografia e a fonética tiveram evolução bem diversa. A reconquista fez-se de norte para sul, sem grandes recuos, de forma consistente e persistente, indo à frente da língua. Já esta teve um percurso evolutivo, seguindo a rota aberta pela espada de D. Afonso Henriques e seus sucessores, expandiu-se mais lentamente e não resistiu à investida sulista que a condicionou e influenciou. Em conversa recente com o Administrador da Fundação Calouste Gulbenkian, Guilherme de Oliveira Martins, a propósito em um importante e relevante projeto lançado pela Associaçon de la Lhéngua i Cultura Mirandesa, o antigo Presidente do Tribunal de Contas fundamentava esta realidade com a forma diferente como em Portugal se pronunciam os “s”. Se a expansão linguística seguisse o mesmo trajeto que a conquista militar falaríamos todos “à maneira de Viseu” que é como, tradicionalmente, se fala no interior norte e na Galiza. Esta pronúncia não resulta de nenhuma simplificação ou “evolução” popular, antes, pelo contrário, sendo fiel à grafia, é erudita. A prová-lo a forma diferente como na região de Trás-os-Montes e das Beiras se diz o fonema “z” conforme resulta do z, propriamente dito ou do s entre vogais. Coser e cozer, não só têm significados diferentes, como diversa é a sua pronúncia. A propósito tive a oportunidade de lhe revelar como foi proveitoso, para resolver dúvidas de escrita, não só esse exemplo como outro, ainda mais óbvio: a forma como se diz o “x” e o “ch”. Neste caso sacho e enxada têm o mesmo significado mas a segunda sílaba, na nossa terra, pronuncia-se de forma bem diferente de acordo com o modo como se escreve.

GÉNIO BOM GÉNIO MAU

O Cientista Louco e Malvado que pretende dominar o mundo é uma personagem, nascida no mundo da Banda Desenhada, replicada em alguma fitas cinematográficas menores por argumentistas pouco argutos e aparece, episodicamente, na literatura secundária, com vida curta e pouco relevo, em romances de cordel. Mas é uma figura ficcional. Pura e exclusivamente. Não existe! Não quero dizer que não haja loucos, malvados e que queiram dominar o mundo. Há, sem dúvida. Mas não são cientistas. Porque essa putativa existência é uma impossibilidade! A Ciência é uma atividade desenvolvida e executada por mulheres e homens que tendo virtudes e defeitos, como todos os seres humanos, têm em comum pelo menos dois aspetos que são condições essenciais e não dispensáveis para que o que fazem e em que trabalham seja Ciência: o amor incondicional à verdade e um respeito absoluto e inquestionável pelos seus pares. Ora, quem quer que queira dominar o mundo, sendo louco e, sobretudo, malvado, não pode cumprir nenhuma dessas condições. Então, o resultado do trabalho dos cientistas, é, por natureza bom e dele resulta sempre benefício para a humanidade? Não! A forma como se chega às grandes descobertas é boa (tem de ser porque para ser reconhecida e validada), mas tal não impede, não invalida nem tão pouco induz sequer a que não possa, ser usada de forma diferente e diversa do espírito que esteve na sua origem. O que mais motiva o investigador é a descoberta, é o conhecimento, é o aproximar, tanto quanto possível, da verdadeira essência das coisas e dos fenómenos. E isso, em si, sem mais nada, só pode ser bom... mesmo que depois lhe possa ser dada uma má utilização. A descoberta da fissão nuclear foi notável. Usada posteriormente para o fabrico de bombas atómicas, é certo, mas também para a produção de energia alternativa à queima dos hidrocarbonetos e, quiçá, poderá propulsionar foguetões proporcionando aos homens descobertas cósmicas assinaláveis e impensáveis. A dinamite, inventada por Alfred Nobel, cujos prémios são os mais disputados do mundo atual, tanto serve para remover obstáculos em obras assinaláveis, como para usar em atentados à vida e bens de cidadãos inocentes… ou não. O plástico sintético foi, não haja dúvidas, uma das invenções mais importantes e marcantes do século passado, indutor de um salto enorme na economia, no bem estar e no desenvolvimento da humanidade. Mas foi também o início de uma onda de poluição que toma, atualmente, proporções assustadoras, contribuindo para as terríveis e temidas alterações climáticas, cujos efeitos nefastos estamos todos já a sentir na pele, com o aumento da frequência de fenómenos extremos, inundações, incêndios, calor excessivo e degradação, a raiar a irreversibilidade, dos solos e, sobretudo, dos mares. Ora bem, surgiu recentemente um projeto, Space Bubbles, que pretende colocar no espaço, entre a Terra e o Sol, num ponto Lagrange (L1), uma bolha gigante com a função de desviar do nosso planeta, pelo menos, 1,8% da radiação solar, suficiente para travar os atuais efeitos do aquecimento global. O mesmo plástico que nos arrasta para a emergência climática, em que vivemos, pode ser o caminho para a sua moderação. Ao cientista cabe a descoberta. À humanidade dar-lhe o melhor uso!

O ARMÁRIO DE BORODYANCA E AS SAPATILHAS VERDES

«Como vais?» É um cumprimento vulgar e natural o qual tem, na esmagadora maioria dos casos, uma de duas respostas: «Mais ou menos» ou «Cá vou andando». Será, imagino eu, identicamente, por esse mundo fora, mutatis mutandis. Terá sido assim, mais ou menos, que os naturais e residentes da Ucrânia se cumprimentavam até há pouco tempo. Ultimamente, porém, surgiu uma nova forma de responder à sudação «Como estás?» «Para já, estou bem. Vou-me aguentando, como o armário de Borodyanca!» Nesta altura e nesta fase do horrendo conflito que assola o oriente europeu, em que edifícios, bairros e zonas residenciais voltam a ser o alvo preferencial dos mortíferos mísseis russos, ganhou forma, fama e notoriedade, que persiste, uma imagem de um edifício habitacional de Borodyanca atingido, no início da guerra, totalmente esventrado pelas bombas do exército ocupante. Tal como em todos os outros, a destruição era total, porém, neste, uma fotografia, largamente divulgada e partilhada, mostrava uma parede que ficara incólume. Encostado a esse inesperado e imprevisto refúgio, um armário resistira, perfeito e sem qualquer arranhão. No meio da enorme destruição, de milhares de mortos e feridos, para trás dos milhões que abandonaram os seus lares, a sua cidade, a sua região, o seu país, há ainda milhares e milhares de ucranianos que resistem, com a aparência do agora célebre armário... porém com enorme e inevitável destruição interna. O horror, é sempre abominável para as suas vítimas. É verdade que um genocídio em massa causa um maior impacto na opinião pública e tem uma maior divulgação e persistência do que os crimes isolados mesmo os mais macabros e inumanos. Porém, para os pais e familiares, a perda de um filho causa o mesmo sofrimento independentemente de o seu desaparecimento acontecer de forma isolada ou integrada em ações mais alargadas. A forma e as circunstâncias que antecederam e que presidiram ao trágico acontecimento, sim, podem ser fatores que agravam a já incalculável intensidade da dor. No meio das dramáticas notícias da guerra russo-ucraniana, em maio deste ano, surgiu uma notícia, igualmente deplorável, do outro extremo do planeta. Em Uvalde, no Texas, um jovem armado entrou numa escola e abateu fria a sadicamente dois adultos e dezanove crianças. Qualquer bala, por mais minúscula, seria mais do que suficiente para ceifar aquelas vidas. Porém o autor da carnificina usou munições, de tal forma potentes e desproporcionadas que os corpos das suas vítima ficaram desfigurados, na zona de impacto. Maitê Yulena Rodriguez foi atingida na cabeça. Os pais reconheceram e identificaram o seu corpo pelas sapatilhas verdes que usava e nas quais desenhara, no que se converteu em macabro sinal identitário, um coração azul, na borracha da biqueira, sobre o dedo maior do pé direito. A fé na Democracia baseia-se na crença de que, apesar dos entorses e desvios que a ação governativa possa sofrer, genericamente, o exercício do poder há de refletir o pensar e o querer da maioria da população. Mas é difícil acreditar que um povo possa, em nome da defesa de hipotéticos e ainda inexistentes sonhos e planos de vida, retroceder, civilizacionalmente, mais de cinquenta anos e não seja capaz de dar um passo, por bem pequeno que seja, em direção ao futuro e à civilização, para proteger vidas concretas, sonhos reais, famílias constituídas.

VENTOS DO ORIENTE (DO EXÉRCITO DE TERRACOTA AO DEALBAR DA A.I.)

No final do século III antes de Cristo o primeiro imperador da China Qin Shi Huang mandou construir, em terracota, um autêntico exército composto por perto de dez mil soldados, mais de uma centena de carros de combate e meio milhar de cavalos. Ficaram enterrados, durante dois milénios, com a única função de “guardar” o túmulo do soberano de “possíveis” inimigos que, depois de morto, quisessem vigar-se das derrotas infligidas em vida. Não está feita, ainda, a contabilidade do gigantesco esforço humano, a desmesurada conta de horas de trabalho manual, a quantidade incomensurável de meios e recursos mobilizados para satisfazer o desejo de eternidade de quem, durante a sua existência, conquistou tudo quanto se propôs conquistar e venceu tantos quantos se lhe opuseram. A vontade do governante, teve início por sua iniciativa direta e prevaleceu muito depois do seu falecimento. Dois milénios depois, o novo senhor do Império do Meio veio empreender, trabalho ciclópico, mas de componentes, objetivos e mobilização humana de sentido completamente diversos do seu ancestral predecessor. A menos de mil quilómetros de Xian, na província de Shaanxi, onde foi erguido o mausoléu de Qin Shi Huang, está a ser construída a barragem Yangqu, no sopé do Tibete, sob o leito do rio Amarelo e que ficará concluída já em 2024. Para além da partilha da mesma nacionalidade, tudo o resto separa estas duas marcantes obras. Esta última não se destina a guardar o cadáver de nenhuma personalidade relevante, pelo contrário, irá fornecer água, fonte de vida, a uma população genérica e comum, de mais de cem milhões de habitantes. Se todos os guerreiros integrantes dos batalhões de barro cozido foram personalizados, individualmente, não havendo dois iguais, os módulos que vão ser sobrepostos para construir o paredão de 180 metros de altura de suporte à albufeira, serão totalmente padronizados, pela razão que a seguir se explicita. E essa é a maior diferença entre os empreendimentos em questão. Os engenheiros da Universidade de Tsinghua propõem-se levar a cabo o empreendimento hidroelétrico de forma totalmente automatizada, sem recurso a qualquer intervenção humana direta. Toda a atividade das escavadoras, camiões, tratores e demais equipamentos serão comandados e manobrados centralmente por competentes e poderosos computadores correndo algoritmos adequados de Inteligência Artificial. O muro que irá represar as águas crescerá por camadas colocadas por uma super-estrutura, em tudo semelhante a uma impressora 3D. É o futuro que, ainda há pouco assomava a ocidente, no continente americano mas que surge, pujante, na Ásia, onde o sol nasce. Nesta área que, inevitavelmente, marcará e condicionará o futuro próximo, Portugal tem já o seu lugar nas carruagens da frente do comboio do progresso. Dois investigadores de renome mundial, Joe Paton e Zachary Mainen organizaram, na zona ribeirinha do Tejo, um evento a que assistiu o Presidente da República e que irá marcar esta atividade nos próximos tempos. Pelas antigas instalações da Docapesca, a convite dos dois cientistas do Centro de Investigação da Champalimaud (que, recentemente apareceu, com inteira justiça, incluída no grupo dos dez centros mais importantes, a nível mundial, em Inteligência Artificial) passaram vários e importantes investidores internacionais em novas e imergentes tecnologias.

BIDEN: PACIFISTA DESASTRADO OU AGENTE FURTIVO DA NRA?

Biden, é hoje claro, chegou à Casa Branca, menos pelas suas qualidades e mais por ser a antítese do seu antecessor, Donald Trump. Por isso a sua popularidade é tão frágil e volátil... transformando-o num alvo e instrumento dos poderosos interesses norte americanos. Quem o ouvir falar a propósito do controlo da posse de armas e após ter retirado (de forma atabalhoada e dramática) do Afeganistão, há de pensar nele como um pacifista. Porém, no que toca à Guerra na Ucrânia, é o melhor “embaixador” do poderosíssimo lóbi das armas do seu país. A cereja em cima do bolo vem com as declarações sobre a intervenção militar americana em defesa de Taiwan, caso a China tente reunificar o país, com recurso às armas. Os russos têm vindo a afirmar, repetitiva e enfaticamente que estão a ser alcançados os objetivos que o levou a desencadear a bárbara e desumana “operação militar especial” na Ucrânia mas, sem o afirmar, quem está a levar a bom porto todas os seus propósitos e a atingir, mais rápido e em maior nível, todos os seus objetivos, é a Administração Biden ou, melhor, a NRA. As suas declarações críticas sobre a Lei do uso de armas, mais não passam do que a óbvia oposição a Trump (obrigatórias porque fazem parte do DNA democrata e porque evidenciam a sua “única” qualidade – a de ser anti-trumpista) se vistas criticamente, mais não são que propostas de mera cosmética. Já no que toca à guerra europeia foi sempre muito assertivo (mesmo quando parecia “apenas” desastrado) empurrando Putin para a invasão (quando o Kremlin ainda a negava, ficando sem possibilidade de recuo depois da publicação de informações “secretas”) e garantindo a sua prolongação no tempo (exigindo que Zelensky não se sente à mesa das negociações sem a retirada total e completa do exército vermelho, enquanto vai fornecendo, a conta-gotas e com sofisticação crescente, material bélico ao país invadido) proporcionando aos fabricantes de armas americanos um palco de demonstração prática da eficácia, poder e eficiência dos seus produtos marciais. Qualquer que seja o desfecho da guerra na Europa, muitos são os perdedores mas há já dois vencedores antecipados: A NATO e os EUA. A NATO aumenta a sua influência, alarga o seu domínio geográfico e já está a exigir não só o aumento das despesas militares em todos os estados membros, como igualmente as contribuições individuais para os cofres da Aliança. Em consequência direta, os industriais de armamento americano vão aumentar, consideravelmente, as suas vendas e, logicamente, os seus avultados lucros. Os vários embargos enfraquecem a Rússia enquanto fortalecem os produtores de cereais e outras comodidades, do outro lado do Atlântico. A fatura de tudo isto e da necessária reconstrução depois do arrasamento levado a cabo pelos militares. A grande fatia do custo vai sair dos contribuintes europeus. O que os americanos gastam agora... hão de vir buscá-lo, mais tarde e com juros.

SETÚBAL

No pretérito dia 10 de maio foram apresentadas na Assembleia Municipal de Setúbal, duas moções de censura, ambas com resultados idênticos: rejeitadas! Por razões e com expressões diferentes. Das respetivas motivações e das circunstâncias que lhe deram origem, já muito se disse e discutiu. Pouco há a acrescentar. É outra a razão que me traz a este tema. A moção apresentada pelo PSD que, para além de condenar a atuação do Presidente da Autarquia, pedia a sua demissão, não tinha, em qualquer dos cenários, possibilidade de ser aprovada, pois não contava com o apoio do Partido Socialista e, mesmo que juntasse todos os restantes partidos da oposição, não chegava para superar os votos dos Deputados Municipais filiados na CDU. Já a do PS, censurando igualmente o Presidente e também a equipa de vereação da CDU, reclamando a constituição de uma Comissão Eventual de Fiscalização da Conduta da Câmara Municipal e dos serviços do Município no Acolhimento de Refugiados Ucranianos, e que teve a abstenção dos sociais-democratas, reuniu 13 votos a favor (juntando 3 votos aos seus 10, correspondentes aos deputados municipais socialistas). Seriam suficientes para ultrapassar o voto contra, os eleitos na lista da CDU, mas não chegaram para superar a rejeição dos comunistas porque aos eleitos diretamente pela população, aquela formação política soma, mais cinco dos presidentes de Junta que distorcem (queira-se ou não) a clara vontade, expressa nas urnas, pelos eleitores setubalenses. O chumbo de qualquer das moções não traz, evidentemente, qualquer dano irreparável, porém, não há como não considerar uma depreciação da democracia quando a representação política é significativa e seriamente desvirtuada. E é ainda mais grave porque, como foi publicamente divulgado, o motivo invocado pelo Partido Socialista foi o de que a fiscalização do Executivo Municipal deve ser levada a efeito pela Assembleia Municipal. O problema é que este órgão vê a sua representatividade distorcida pela inclusão dos Presidentes de Junta. Não só porque, independentemente da maioria, absoluta ou relativa no executivo que lidera, cada um deles vota de acordo com a sua vontade, há uma forte dependência do Presidente da Câmara por razões óbvias! É essa também, se outras mais não houvesse, uma razão para a criação, institucionalização e fortalecimento da ANAM (Associação Nacional de Assembleias Municipais) para que, entre outros objetivos possa pugnar por uma maior e mais justa representação dos seus membros, bem como para uma efetiva independência da Câmara Municipal, associada, nomeadamente em termos de quadro de pessoal e de financiamento. Esse desígnio está, seguramente, na origem da enorme adesão que tem despertado, desde a sua criação, em Mirandela, onde foi claro o empenho das autarquias nordestinas que, ao que julgo saber, já todas aderiram aquele organismo, com exceção de Moncorvo, paradoxalmente, um dos fundadores e subscritores da respetiva escritura pública.

A INFLAÇÃO segundo Costa

O termo “inflação” deriva do latim inflatio de inflare com o significado de assoprar (flare) para dentro (in). Era um termo ligado à medicina, nomeadamente aos inchaços provocados por tumores e outros tendo sido apropriado pela teoria económica, nos Estados Unidos, em meados do século XIX para caracterizar uma desvalorização generalizada do valor do papel-moeda. Mais tarde o fenómeno evoluiu, ganhou complexidade e atraiu outros conceitos, mais intrincados e de difícil compreensão, na sua plenitude, por leigos como eu, como sejam “deflação”, “desinflação” e “hiperinflação”. Não tenho, obviamente, conhecimentos suficientes para discorrer sobre qualquer um destes assuntos. Seria pois, avisado, que não me aventurasse por esse labirinto onde, ao que nos é dado ver, nem os especialistas têm uma plataforma segura de entendimento unânime. O denominador comum passa pela aceitação de ser um conceito complexo, de origens variadas e de consequências, potencialmente, imprevisíveis, a primeira delas, a sua durabilidade no tempo, garantindo alguns ser temporária, enquanto outros afirmam, perentoriamente ter vindo para ficar. O melhor será manter a foice bem longe de tal seara. Porém... O primeiro-ministro, que também não é economista nem tem, ao que se saiba, reconhecidas competências na matéria, veio simplificar e elaborar sobre o conceito e sobre a forma de lidar com ele, em linguagem comum. Esta inflação, ao contrário da que nos afligiu, em décadas anteriores, não resultou da desvalorização da moeda, nem de fatores nacionais. Não é interna, foi importada. Implica, no imediato, como é natural, uma perda do poder de compra. A forma mais óbvia de o recuperar, ou minimizar, seria, naturalmente, aumentando os salários na devida proporção. “Não!” diz o primeiro-ministro. “O aumento dos ordenados irá provocar um aumento dos custos de produção que se refletirá nos preços dos produtos finais, contribuindo para o agravamento da inflação. Se o fizermos, estaremos a promover uma espiral inflacionária! Temos de evitar esse cenário.” Parece fazer sentido! Contudo... Tomemos como boa a explicação de Costa. Seguro é que a subida dos preços vai aumentar a receita fiscal. O Orçamento de Estado tem, pois, uma folga maior. Portanto, nada obsta a que os salários dos trabalhadores das áreas não produtivas possam e devam ser atualizados, sem contribuir com um cêntimo para a evolução da inflação. Médicos, professores, funcionários da Administração Local e Central... podem, sem qualquer risco, verem atualizadas as suas remunerações. É, precisamente, nesses, que o Governo pode (e deve) interferir diretamente. Quanto aos privados... Então o desígnio nacional não era abandonar a competitividade por via dos salários baixos e basear o PIB, cada vez mais nas exportações? Se a inflação é, essencialmente, importada, a atualização dos preços por via dos salários (que são mais baixos que os praticados nos competidores que importam) não comprometem a concorrência das empresas nacionais. Provavelmente as coisas não são assim tão simples... Mas, se não são, então não simplifiquem!

AINDA A COVID (lições e ensinamentos)

Enquanto em Xangai vinte e cinco milhões de pessoas foram, de novo, enclausuradas em casa, por cá, tiram-se as máscaras. O alívio desta medida está expresso pela ministra da Saúde, Marta Temido, numa fotografia divulgada pela comunicação social e é, claramente, partilhado por todos. No início de 2020 as medidas eram as mesmas em todo o mundo. A diferença de atuações deve- -se a realidades que, partindo do mesmo ponto comum (a existência de uma pandemia altamente contagiosa e desconhecida até então), chegaram a pontos bem diversos. O alívio nas medidas de prevenção é possível pela criação, nos dois últimos anos, de um ambiente com um expressivo maior nível de segurança. Devido às vacinas! Sobretudo, devido à rapidez na sua obtenção, de forma eficaz e segura. Tal deveu-se não só ao enorme investimento de capital, mas também e sobretudo à colaboração ativa das entidades reguladoras que aceitaram, na área da saúde, o conceito de sandboxes regulatórias. Numa conferência na Faculdade de Medicina do Porto, promovida pelo Health Cluster Portugal, Francisco Serdoura do colaboratório 4LifeLab veio esclarecer o conceito. As entidades reguladoras são essenciais para garantir a segurança dos produtos desenvolvidos pelas farmacêuticas e demais laboratórios. Para isso fazem cumprir um rigoroso e securitário pacote legislativo. Porém é possível criar um ambiente especial, limitado, a tal caixa de areia experimental, onde é recriado o ambiente real mas onde as regras podem ser quebradas porque toda a evolução da experimentação é acompanhada, em contínuo, pelas autoridades reguladoras, que são chamadas para o grupo e consultadas, previamente sobre todas as ações que, propositadamente, saem fora das regras estabelecidas, para que nessas exceções, não haja qualquer risco para os participantes. Consegue- -se assim uma maior rapidez no complexo e moroso processo de investigação e comercialização de novos fármacos. Esta é, nos tempos atuais, uma das componentes do sucesso na atividade das empresas farmacêuticas, como bem explicou, na mesma conferência, Francisco Rocha Gonçalves da Sanofi. Há também a capacidade de desenvolver, de forma rápida e segura, novas tecnologias de produção dos medicamentos e testes de diagnóstico, como, igualmente, ficou evidente durante a pretérita (assim esperamos) pandemia. Mas não só. O uso de tecnologias de informação permite o acesso a uma quantidade crescente de dados e, sobretudo, ao seu tratamento adequado. Os Biobancos (em expansão acelerada) e demais repositórios de informação clínica de doentes permitem traçar perfis de doenças e indiciar caminhos de sucesso para o tratamento de doenças e patologias. Mas, a enorme dimensão dos registos e das propostas disponíveis traz um problema: como, na maioria dos casos, se navega em águas ainda desconhecidas, não se deve descartar nenhuma das hipóteses que contenham possíveis soluções promissoras, mas, sendo tantas e com tantas alternativas em cada uma delas... é impossível segui-las a todas. Daí que a maior das preocupações dos responsáveis por estas áreas seja a de... ERRAR DEPRESSA! Na inovação, é o aparecimento e reconhecimento do erro que propulsiona o sucesso. Quanto mais rápido acontecer, maior será o êxito! Ora aí está uma lição para os poderes públicos com funções executivas.