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Notícias da aldeia – ou das eleições autárquicas

Os vizinhos olham para o céu na esperança que o milagre aconteça e a chuva venha dar um sinal de esperança à colheita da castanha que mirra e da azeitona que encolhe à beira da promessa do azeite e da riqueza. Os prados secaram, os rios deixaram de correr e o pastor desanima perante as suas ovelhas que mingam de fome e de sede. É o drama da maior seca dos últimos anos e a esperança do agricultor morre, como morreu o seu pomar, a sua horta o seu poço que nunca tinha secado.
E os vizinhos lá andam na sua velhice, resignados, gemendo e mancando, fazendo novenas, indo à missa, acreditando em Deus, esperando o milagre da chuva redentora. Nos homens já não acreditam, votados ao abandono, à incúria e inaptidão de alguns dirigentes que pela circunstância e o acaso chegaram ao poder. E os factos motivam a descrença na República e na democracia, abrindo as portas a ditaduras de triste memória, pelo desencanto dos cidadãos que se veem impedidos de escolher, de ter voz, de participar nas decisões pela força do voto.
Vejamos o que aconteceu em várias aldeias do concelho de Bragança onde só havia uma lista concorrente à junta de freguesia. Os cidadãos não puderam escolher. Estava tudo decidido como no tempo da ditadura. Desencanto. Falta de trabalho dos dirigentes políticos, falta de respeito pelos cidadãos das aldeias, falta de responsabilidade. Assim, como era previsível, o candidato do partido Socialista perdeu estrondosamente as eleições, pois os eleitores do PS, envergonhados por não terem candidato, votaram, muitos pela primeira vez, nos candidatos da oposição e já que estavam ali votaram também em Hernâni Dias que teve uma grande e merecida vitória. Mas os partidos não são os seus dirigentes de momento, os partidos políticos são uma ideia, um sentir, uma alma de cidadania, um coração que bate, uma abraço, um afeto, uma luta, o estar com o outro, o servir mais do que servir-se. E entendo que o partido Socialista será sempre o grande partido de José Fontana, de Mário Soares e de tantos outros que ainda acreditam “que só se está vencido quando se deixa de lutar”
Vejamos o que aconteceu em Mirandela, com a Júlia Rodrigues, que fez da luta uma bandeira, na herança do seu pai José Rodrigues, de boa memória para a família socialista. A Júlia Rodrigues acreditou, teve derrotas e vitórias, mas sempre acreditou que havia outro caminho e com o afeto que lhe é peculiar, com a proximidade às pessoas, com a entrega à causa pública derrotou António Branco que tem dificuldade em sorrir. E assim o PSD perdeu a Câmara de Mirandela que era o seu grande bastião a nordeste.
Sem dúvida que o protagonismo, no feminino, vai passar de Alfândega da Fé para Mirandela com Júlia Rodrigues.
E foi também esta proximidade com as pessoas, o respeito pelos cidadãos, pelos mais humildes e necessitados que levou o médico Benjamim Rodrigues à Câmara de Macedo de Cavaleiros, Luís Fernandes à Câmara de Vinhais e renovou o mandato ao histórico Fernando Barros, Artur Nunes, Francisco Guimarães e Berta Nunes, tornando o partido Socialista detentor de mais autarquias no distrito.
Sem dúvida, os eleitores do distrito de Bragança souberam distinguir os candidatos que entendem o coração do nordeste, que estão presentes nas alegrias, mas também nas tristezas e sabem amaciar os desgostos como o camponês que obriga as fragas a dar trigo. O Nordeste penalizou, sobretudo aqueles, que não deram um sinal de esperança, aqueles que estão distantes dos eleitores, sendo o caso mais penalizador para o PS, o facto de ter estado bem longe de ganhar a autarquia de Bragança.
No plano interno, naturalmente o partido Socialista do distrito saberá aproveitar as dinâmicas positivas do governo e do partido a nível nacional e apostará na mudança de alguns dirigentes locais, substituindo-os democraticamente em eleições, por gente nova, que estuda, que sente o partido e sabe fazer a ponte de união entre o passado e o presente em prol dos cidadãos, da unidade partidária e da nossa Terra.

O MANSO E O GUERREIRO X – O TAXISTA

Quando o Tomé Guerreiro chegou ao costumeiro lugar do encontro, já o Júlio Manso conversava com Miguel Subtil que estava de visita à terra natal, vindo de Lisboa. A conversa passou a ter três interlocutores pelo que, para melhor compreensão, desta vez farei anteceder cada intervenção pelas iniciais do nome de cada um.
TG – Ora viva, Miguel. Mais uma vez por cá?
MS – É verdade ti Tomé. Sabe bem que, sempre que posso, não deixo de vir...
JM – E desta vez, com grandes novidades. 
TG – Muito bem, venham de lá essas notícias...
JM – O Miguel fechou a Loja de Antiguidades que tinha na Baixa Lisboeta.
TG – Ah, então não se trata de uma visita mas sim de um regresso...
MS – A mudança foi grande e radical mas não tão radical quanto isso. Fechei a Loja em Lisboa mas continuo por lá. 
JM – Agora o Miguel é taxista! 
TG – Taxista? Grande mudança. Algum motivo especial?
MS – O motivo não tem nada de especial. É o de sempre. Como não tenho fortuna, vejo-me obrigado a viver do meu trabalho.
JM – Pelos vistos o negócio anterior não era rentável.
MS – Não se trata propriamente de rentabilidade. Em termos meramente contabilísticos a atividade de compra e venda de antiguidades tinha uma margem de rentabilidade boa e chegava bem para pagar as despesas de funcionamento e deixar o suficiente para viver sem luxos, mas com conforto.
TG – Então qual foi o problema?
MS – O problema foram os pagamentos. No nosso ramo ainda se usa muito o pagamento por cheque. Enchi uma gaveta de cheques sem cobertura! As despesas de cobrança são grandes e nem sempre  se consegue recuperar o que nos é devido... É impossível ir atrás de cada devedor para tentar reverter o negócio. Mesmo que fosse não adiantaria muito pois eu não como jarras de porcelana chinesa, nem visto móveis Luis XV.
TG – Pois é, com a mercadoria do lado deles fica difícil obrigá-los a desfazerem o pretenso mau negócio. Mas, diz-me cá, o que te leva a garantir que com o serviço de táxi não te acontece o mesmo?
MS – Tem toda a razão. Nada me garante. Mas nesta nova profissão, ao contrário da outra, o pagamento é pedido já depois do serviço prestado e, em caso de reclamação nem sequer é possível reverter o negócio. De nada me adiantaria levar de volta à origem um passageiro que não quisesse pagar, pelo contrário, no que me diz respeito, até agravaria ainda mais a situação, para o meu lado.
TG – Eu suporia que os clientes de táxi seriam mais propensos ao calote que os adquirentes de peças distintivas e, seguramente, longe do lote de primeiras necessidades.
MS – Supunha vossemecê e supunha eu. Mas o certo é que é como lhe digo. Nas corridas de táxi não há calotes, a não ser em circunstâncias excecionais. 
JM – E porque será?
MS – Essa é uma boa pergunta. Ora, como sabe, uma das vantagens de ser taxista é o convívio e diálogo com gente de toda a condição. Um grande economista explicou-me que isto tem a ver com a tradição. Segundo ele a importância da tradição é muitíssimo maior, no funcionamento do Mercado do que aquela que no passado se lhe atribuiu e ainda há quem atribua...
JM – Essa agora.
MS – Pois é. Mas veja bem que essa questão responde adequadamente no meu caso, onde a lógica apontaria exatamente no sentido contrário. E explica a razão porque no passado os contratos eram celebrados com um simples aperto de mão...
TG – E quem decide o que é a tradição numa e noutra circunstância?
MS – Ninguém. 
JM – Ninguém e todos. 
TG – Ora aí está. Veja bem o que se passou com as recentes eleições!
JM – Não me diga que isso também tem a ver com a política! 
TG – Tem, tem. E muito. Tudo na vida atual pode ser assemelhado a um mercado. E nada como as eleições para as autarquias. Há quem queira um produto e há quem possa proprocioná-lo. Há um contrato de promessa de compra e venda, se assim lhe podemos chamar. Ora quando um político jura a pés juntos que vai fazer uma obra, logo no início do mandato, nem que chovam picaretas...
JM – E não a faz...
TG – E, pior que isso, fá-la nas vésperas das eleições...
JM – Ah, mas aí, provavelmente, já não resulta...
TG – Isso é que resulta. Este ano quando me indignei por causa da obra que só apareceu no final de setembro, o que não faltou foi gente a mandar-me calar. Que, mais valeu tarde que nunca, o importante era ter a rua arranjada. Estamos assim a criar a tradição de que basta fazerem o que é preciso em ao cair do pano para se livrarem da devida penalização.
MS – E isso é mau...
TG – Não é mau. É péssimo!

 

Estourou uma bomba em Mirandela

O regime político vigente em Portugal, embora formalmente se inscreva no sistema da democracia liberal, também dita representativa, enferma de graves anomalias que são, quanto a mim, a causa essencial dos males de que o nosso país padece nos domínios político, económico e social.
As culpas não devem ser imputadas ao carácter dos portugueses, portanto, até porque são milhares os compatriotas que se evidenciam fora da pátria, em todos os domínios, mas obedecendo a regimes democráticos diferentes.
É a permissividade do regime político instalado em Portugal, volto a frisar, que explica que na vida política nacional prevaleçam a mediocridade, a mentira, o oportunismo e a multifacetada corrupção que tantos males origina.
Fenómeno que tem maior impacto, embora mais silenciado, em terras do interior. O concelho de Mirandela, que até às últimas eleições autárquicas foi, durante décadas, governado de forma hegemónica pela mesma força partidária, não foge à regra.
Tratou-se de um longo e obscuro período em que as reais potencialidades da capital da Terra Quente foram subaproveitadas e a maioria dos pacatos mirandelenses se fartou de ver as mesmas personalidades a ocuparem os organismos públicos de influência partidária. Com uma apertada teia de amigos e correligionários a partilhar sinecuras e a conduzir a vida económica e cultural do concelho a seu bel-prazer, a inventar empregos camarários para empregar clientes e colaborantes, com as freguesias amordaçadas e manipuladas numa lógica de domínio partidário e a presidência da Câmara assegurada por astucioso mecanismo hereditário.
A mudança de poder em Mirandela por força das últimas eleições autárquicas, ainda que para outro partido igualmente vicioso, ambos pilares do actual regime, soou, por isso, que nem uma bomba. Surpreendentemente, o município mirandelense irá ser governado, a partir de agora, por uma força política diferente e tendo à cabeça, o que também é inédito, uma mulher.
Trata-se da veterinária Júlia Rodrigues, destacada militante do partido socialista, que ousou ganhar a confiança massiva do eleitorado mercê, também da sua condição feminina, de pertencer a uma alargada geração mirandelense que está na força da vida e que nela se revê e, como é óbvio, de uma campanha eleitoral criativa e eficaz.
Beneficiando, naturalmente, da conjuntura favorável que o seu partido atravessa, do seu relacionamento privilegiado com o poder central, do desejo de mudança que a maioria dos mirandelenses, agora se constata, calavam no peito, duma maior maturidade do eleitorado rural e ainda e sobretudo, do facto saliente dos seus adversários não possuírem nem perfil nem predisposição eleitoral para tanto.
É por tudo isto que as expectativas que agora se abrem são fantásticas. Importa, para tanto e para começar, que Júlia Rodrigues saiba valorizar a equipe pouco qualificada e mal preparada que chefia, que não deixe vingar os sentimentos revanchistas que, é público e notório, grassam nas suas hostes e que não proceda a uma limpeza cega da administração municipal na lógica do olho por olho dente por dente.
A nova presidente da Câmara de Mirandela será grande se for capaz de ser justa, humana e generosa. E se souber colocar os interesses regionais acima dos partidários.
Júlia Rodrigues já anteriormente deu provas de ser determinada bastante e granjeou carisma suficiente para fazer história em Mirandela, como ela mesma diz pretender. Oxalá a faça pela positiva.
Este texto não se conforma com o novo Acordo Ortográfico.