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Passa-culpas

A propósito do tempo ameno anómalo para a época, se nos lembrarmos da frialdade dos antigos invernos transmontanos, alguém observava “Oh, eu não me importo nada, não gosto de frio!”. Contestei que essa era apenas uma parte da questão, que o aumento das temperaturas mexe com muita coisa e traz consequências danosas que de resto já estão a acontecer. “Ah, mas a poluição são as fábricas, eu até desligo sempre as luzes lá em casa!”. Foi a cândida resposta. A pessoa e o momento passaram, e já para os meus botões senti pena de alguém que não sabe somar dois e dois. E de nós todos.

Porque é fácil assumir que o capitalismo, a alta finança e a banca, encostados às indústrias nacionais e multinacionais, têm uma visão predatória dos recursos e olham para o meio natural com cobiça indisfarçável. Mas somar dois e dois é compreender que as fábricas fabricam o que consumimos, e só o fabricam na medida em que o consumirmos. O grande capital também é feito por cada pessoa singular. Ninguém de bom senso defenderia que se abdicasse de bens essenciais ou recusasse a cada um as condições materiais em que assenta uma vida digna, mesmo não sendo pacífico estabelecer limites para o que é essencial ou digno. No entanto hoje o consumo já pouco tem a ver com a satisfação de necessidades propriamente ditas. Para uma parte considerável da humanidade consumir tornou-se um vício, com o qual obviamente há quem se farte de ganhar dinheiro e com o qual obviamente o planeta sofre.

De forma que desconvencer as pessoas a mudar estilos e hábitos de vida baseados no consumo estouvado para evitar o colapso vai ser o cabo dos trabalhos. Não há como evitar o pessimismo quanto a isso. Até porque, enquanto os alarmes soam há bastante tempo em toda a parte, todos os pretextos são bons para continuar a induzir a dependência. Basta ver que as festas religiosas tradicionais já quase só têm essa função. E como de uma perspetiva consumista elas não são assim tantas, toca de inventar datas comemorativas disto e daquilo, tais como dias de namorados, halloweens e outras palermices. Aliás o nome que se lhes possa dar não interessa nada, pois como a sua única função é vender uma panóplia de pantomimas, acontece que todas elas acabam por se parecer bastante com o carnaval. E a coisa não parece querer abrandar, pelo contrário: uma boa jogada do ponto de vista do negócio é que as marcas, a pensar na formação precoce de futuros consumidores e na sua fidelização, como eles dizem, tenham começado a publicitar nas escolas.

É claro que também há muita gente a preocupar-se com os atropelos, a negação, a indiferença, a questionar os conceitos de crescimento e desenvolvimento e a sua ligação automática a obras de engenharia ou a duvidar que a qualidade de vida, a realização e a felicidade se traduzam fatalmente em comprar coisas. Mas o que impera é ainda uma alegre inconsciência, a que se vem juntar demasiadas vezes uma cultura infantilizante, uma cultura que nos incutiu desde pequenos a tendência para nos vermos em variadíssimas circunstâncias como meras vítimas da realidade exterior, esquecendo que em muitas delas somos igualmente os atores que a produzimos.

Isto para dizer que sem querer diminuir a importância de manifestações públicas que se erguem contra as inúmeras apoquentações da vida, algumas me parecem francamente burlescas: faz tanto sentido uma multidão vociferar em plena rua imprecações contra a violência doméstica como declarar a sua embirração com o vírus do ébola. Como se uma entidade alheia a nós criasse os males do mundo e fosse necessário derrubá-la qual déspota malvado. Há dias, embrulhado em mantas, assisti a uma que bramia a plenos pulmões contra as alterações climáticas e às tantas dei comigo a fazer contas à energia que se teria poupado, logo ao CO2 a que se pouparia a atmosfera, caso aquela gente se tivesse lembrado de fazer como eu, ou seja, nada.

Culpar umas tantas entidades quase sem rosto pelo que nos atinge é contraproducente em muitas circunstâncias e degolar bodes expiatórios pela emissão de gases de estufa ainda mais. Não são precisas grandes cogitações para deduzir que cada um de nós é um fragmento do problema. Assim sendo cabe-nos ser peças da solução, bastando para tanto que comecemos por recusar consumos supérfluos, excessos, desperdícios, para não ir mais longe.

Butiêlo em Lisboa

Através da sucessão das épocas o butiêlo largou a farpela rural de estômago do porco ou porca, recheado de ossos esburgados e o rabo cortado em miúdos do animal destinado aos rapazes brincalhões em época entrudeira para envergar a roupagem de enchido de untar a barbela servido nas mesas bem atoalhadas na quadra carnavalesca.

O butiêlo ganhou roupa nova e etiquetas certificadoras, mudou de nome – botelo e)ou botelo – largou os vestígios de comer faceto logo engraçado, muito desprovido de carniça substanciosa, passando a conter ossos gulosos de assuã, menos pimento queimão, citadino em prejuízo da rusticidade que principiava na periferia do concelho de Vinhais, percorria a parte nordeste do de Bragança (principalmente a Lombada) e penetrava em Castela e Leão até às alturas de Burgos. Não interessa reclamar paternidade geográfica pois tudo indica existir simultaneidade.

Entre o butiêlo e o butelo havia (há) diferenças locais na preparação das marinadas, o ardor ultramarino (pimento queimão acima referido) vem do lado de lá, a génese é a mesma, onde há tripas há enchidos, nada se podia perder, tudo se aproveitava. O butelo com casulas (repare-se no simbólico – casulas – pois após a cozedura ficam sedosas tal qual as vestes religiosas, o termo cascas deve ser trazido à ponta da língua quando as vagens secas dos feijões são objecto de cozedura encruada de veios salientes e duros.

O butiêlo ganhou carta de alforria mercê do empenho entusiasmado da Câmara Municipal de Bragança, por isso mesmo todos os anos na época própria a Autarquia Bragançana promove um jantar dedicado ao butelo com casulas no conceituado restaurante da Dona Justa e do Senhor Nobre. O ágape inicia-se degustando abraços, palmadas interrogativas, respostas exclamativas, provas de variados enchidos e outros mimos tem-te-em pé, saborosos, centrados no porco, caso dos rojões miúdos também portadores de vários nomes de baptismo, por exemplo rojões do redenho ou do balho. Boas as empadinhas de caça.

Este ano não houve entorses ao cânone, o Dr. Hernâni Dias na qualidade de anfitrião da urbe bragançana recebeu galhardamente os convidados, cada um reviu amigos e conhecidos, numa mistura de sorrisos e lembranças onde a verve e boa disposição do Comandante Chiote alegraram os circunstantes, enquanto o Ezequiel Sequeira distribuiu graças e consolos sem incorrer no «Entrudo passa tudo», antes pelo contrário, muito grato lhe fiquei no decorrer da apreciação dos pratos quentes que também incluíram um fumado de presunto e salpicão, uma sobremesa de abóbora com chocolate branco e gelado de vinho do Porto.

A destreza da dona Justa obrigou a consistente cadência na colocação das pitanças sobre a mesa, a conversa com Grão-Mestre da Confraria do Butelo ficou a meio, intervaladamente, levantei o pendão da Terra Fria junto do escritor Ernesto Rodrigues, o qual aceita de bom grado o meu humorado localismo, na altura certa a Dona Justa disse do seu gosto em coordenar o repasto e o Dr. Hernâni Dias pronunciou palavras bem polidas, bem aparelhadas e bem colocadas referindo-se ao muro Braganção, não de lamentações, sim de crença na progressiva afirmação de Bragança como cidade onde vale a pena viver e os da Diáspora têm sempre grato acolhimento e um sem numero de patrimónios matérias e imateriais para reviverem. Não tardará muito e os nove museus existentes acolherão o Museu da língua Portuguesa.

Uma bonita fadista do Romeu (Terra Quente) deu a conhecer trechos do seu próximo álbum, Gotas de Sangue. Chama-se Teresa Carvalho. Os senhores deputados primaram pela ausência. Presumo que sejam benfiquistas! Eu sou.

Gil Vicente quebra ciclo de vitórias do Mirandela

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Ter, 26/02/2019 - 10:17


O SC Mirandela quebrou o ciclo de quatro vitórias consecutivas e perdeu, no domingo, por uma bola a zero no terreno do Gil Vicente, num jogo a contar para a jornada 23 da série A do Campeonato de Portugal. Rui Gomes marcou os 75 minutos o único golo do encontro.