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Nós trasmontanos, sefarditas e marranos: Francisco Lopes de Leão (Vimioso, 1620 – Coimbra, 1667

A história da família de Francisco Lopes na inquisição começará com um Gaspar Pires, seu avô paterno, morador no Vimioso, que terá sido preso em dezembro de 1562 pela inquisição de Coimbra.(1)
Martirizada foi também a parte materna da família, moradora em Sambade, nos anos de 1640 quando o santo ofício ali lançou uma verdadeira operação de limpeza da heresia judaica.(2) A esse tempo já o avô materno, Miguel de Leão, era falecido e a avó, Inês Lopes morava em uma casa que nas sextas-feiras à noite ficava mais alumiada “e muito clara, com diferença dos outros dias da semana”.
Maria de Leão se chamou a mãe de Francisco, a qual casou em Vimioso com Manuel Lopes. E foi em Vimioso que ele nasceu, cerca de 1620. Por 1640 casou com Catarina Lopes, de Carção e ali fixaram residência. Predominavam nesta aldeia empresas familiares de surradores, curtidores, sapateiros e negociantes de solas que a faziam extremamente progressiva. 
Como o pai, Francisco fez-se mercador mas aos 45 anos, vivia de seus rendimentos, não exercitando profissão alguma. Viveu 3 meses em Alcañices e fazia bastantes viagens ao Porto, a Braga e outras terras, especialmente a Lisboa, onde ia “com petições e procurações de várias pessoas sobre negócios que tinham na Junta da Companhia da Bolsa”.
Em 1660 entrou o santo ofício em Carção, iniciando um verdadeiro massacre da população marrana da aldeia. Depois da primeira vaga de prisões, começou uma verdadeira peregrinação de gente de Carção para Coimbra. Iam apresentar-se antes que os mandassem prender, evitando assim o sequestro de bens. Só de uma vez, nos dias que seguiram ao auto de 26.10.1664, apresentaram-se ali mais de 20 Carçonenses.(3)
Entre eles contou-se Francisco Lopes de Leão, que se fez acompanhar de sua mulher e lamentou, perante os inquisidores, não trazer as suas filhas “por ser muita a sua pobreza e ser a distância do caminho perto de 50 léguas”. O facto de ir apresentar-se não significava que Francisco tivesse ideias de abandonar o judaísmo, antes pelo contrário, fazia-o para se livrar da prisão, como ele próprio contou mais tarde aos mesmos inquisidores:
— Em umas casas junto ao Terreiro de Santa Justa se encontrou com (…) e com muitas pessoas de Vila Flor, Carção e Vimioso, os quais naquela ocasião se vinham apresentar nesta Mesa e estavam pousadas nas ditas casas e em outras da vizinhança e ficaram muitos dias na dita cidade tratando de seus negócios, e em ocasião de ele confitente as ir visitar, como crente na lei de Moisés, deu conta às ditas pessoas deste intento de nunca largar a lei de Moisés, animando-as publicamente a que perseverassem na dita crença, sem embargo de se haverem apresentado umas e tratando de se apresentar outras…(4)
Como se vê, parece que o intuito primeiro da sua apresentação no tribunal de Coimbra não era a confissão dos erros e o pedido de perdão mas apoiar, confortar e manter firmes na crença judaica os outros, seus conterrâneos, apresentando-se Francisco Lopes de Leão como um verdadeiro líder (rabi) da nação hebreia de Carção. Aliás, depois de identificar meia dúzia de pessoas que viajaram com ele para Coimbra, acrescentaria:
— Vindo pelo dito caminho em todos os dias da jornada desde Carção até esta cidade, e em todos os dias que aqui esteve, que foram 3 dias, em todos os da volta para Carção, jejuou ele confitente judaicamente, em presença das ditas pessoas (…) e fazia-o para que o Deus de Israel o livrasse a ele e aos mais cristãos-novos de serem presos e castigados…
Desta e doutras confissões, resulta claro que a viagem de Francisco de Leão foi uma verdadeira romagem de fé e reafirmação da lei de Moisés. 
Recebido no tribunal de Coimbra em 24.10.1664, Francisco confessou os seus erros, dizendo que fora alumiado pelo Espírito Santo 20 dias antes. Registada a sua confissão e aconselhado a não cair mais na heresia judaica, foi mandado regressar a Carção.
Entretanto choviam denúncias de judaísmo contra ele, feitas por toda aquela gente de Carção presa ou apresentada, denúncias que os inquisidores iam notando no seu processo. Uma denúncia pesou particularmente. Foi feita por Diogo Henriques Julião, de Vila Flor contando como aquele os andara confortando e animando em Coimbra a que “não desconfiassem e que sofressem os trabalhos” e os castigos da inquisição porque a lei de Moisés era a boa e que a guardassem.
Outra denúncia foi feita pelo carcereiro da vila de Outeiro contando que em fevereiro de 1665 estando ali preso o nosso biografado, este dissera, alto e bom som, perante os outros prisioneiros, que a lei de Moisés era melhor que a dos cristãos, que o Messias ainda não tinha vindo e que ele era judeu e se, por acaso tivesse alguma gota de sangue cristão, nem que fosse apenas um dedo, ele o havia de cortar ou queimar a parte cristã do seu corpo.
Naturalmente que logo foi ordem de Coimbra para o comissário regional da inquisição (5) no sentido de mandar Francisco apresentar-se de novo no tribunal, o que aconteceu em 28.9.1665. E logo ele confessou que nunca deixara de ser judeu e que a sua apresentação anterior fora feita “só a fim de se livrar de ser preso pelo santo ofício e não por estar convertido à fé, como agora está”. Acrescentou que na prisão do Outeiro não só dissera aquelas blasfémias mas inclusivamente fizera jejuns judaicos. Contudo… no dia 15 de fevereiro, vendo passar uma imagem de Cristo em uma procissão, ele lhe pediu “que o alumiasse para se tirar dos erros em que andava, mas a verdade era que a crença durava em seu coração e ele confitente até à hora em que faz esta confissão nesta mesa”.
Desta vez, sim, ficou preso em Coimbra e denunciou dezenas de correligionários que com ele se declararam, não apenas de Carção mas de muitas terras Trasmontanas. Mesmo na chegada a Coimbra, antes de se apresentar na inquisição, ele continuou judaizando publicamente. Vejamos um pouco do seu depoimento:
— Na estalagem onde ele confitente veio pousar na segunda vez que veio a esta mesa, por ocasião de ser chamado a ela, se achou com (…) e estando todos juntos na dita estalagem, publicamente, em presença de todos, jejuava judaicamente todos os dias, exceto ao sábado, na sobredita forma, pregando e praticando as causas da lei de Moisés às ditas pessoas…
Metido na prisão por ano e meio, e muitas vezes chamado a depor, o processo deste homem é bem significativo do drama interior da gente da nação, apanhada entre o judaísmo e o cristianismo. Veja-se este excerto:
— Querendo por diversas vezes encomendar-se a Cristo nosso senhor, pedindo-lhe que o alumiasse e lhe abrisse os olhos da alma para receber a sua fé santíssima, a mesma inclinação perversa do seu sangue o apartava disso, persuadindo-o a não se encomendar ao mesmo Cristo, senão ao Padre Eterno, induzindo-o assim o demónio a não se persuadir que um homem que morreu numa cruz pudesse ser Deus.
Seria ele um homem desesperado? Ou seria um mestre do disfarce e da ironia? Não o sabemos, mas consideramos verdadeiramente extraordinária a sua última confissão, feita no dia 12.2.1667, de mãos atadas, no decurso do auto da fé, sabendo que ia ser queimado. Já não era ele que se dizia alumiado pelo Espírito Santo. Eram os próprios inquisidores que estavam alumiados, a ponto de descobrirem “até o segredo do coração dele confitente”, pois que, apesar das juras em contrário, ele fora “sempre verdadeiro judeu e professor da lei”. Vejamos as suas próprias palavras:
— Reconhecendo o estado em que havia chegado pelas suas culpas e crença na lei de Moisés, esta não lhe aproveitava para a vida, sem embargo de haver sido sempre verdadeiro judeu e professor da lei com a maior pontualidade que lhe foi possível, e vendo outrossim a justiça com que foi julgado nesta mesa por convicto no crime de judaísmo, entende por esta razão que na dita mesa assistia o Espírito Santo, pois chegava a julgar com tanto acerto que até o segredo do coração dele confitente lhe não ocultava…
Pena que o espaço não permita que apresentemos as belíssimas orações judaicas que este “professor da lei” ditou para o processo. Terminamos dizendo que a história da família de Francisco na inquisição continuou com os filhos e os netos e, como ele, foram queimados nas fogueiras dos autos da fé um filho, uma filha e uma nora.
 
 
Notas:
 
1 - ANTT, inq. Coimbra, pº 12846, de Gaspar Pires.
2 - ANDRADE e GUIMARÃES – Marranos em Trás-os-Montes Judeus-novos na Diáspora o Caso de Sambade, ed. Lema d´Origem, Porto, 2013.
3 - IDEM – Carção Capital do Marranismo – Associação Cultural dos Almocreves de Carção, Associação CARAmigo, Junta de Freguesia de Carção e Câmara Municipal de Vimioso, Carção, 2008.
4 - ANTT, inq. Coimbra, pº 3249, de Francisco Lopes de Leão.
5 - O comissário chamava-se João Machado Pimentel. Justificou o seu pedido de admissão, dizendo que o lugar ficou vago com a morte do arcediago Francisco Luís e que ele é irmão do promotor da inquisição de Coimbra, Dr. Manuel Pimentel. ANTT, Tribunal do Santo Ofício, Conselho Geral, Habilitações, João, mç. 6, doc. 224.

 

A sua saúde depende da sua atitude!

Se antes só íamos ao médico quando estávamos doentes e nele depositávamos a inteira responsabilidade de nos curar, hoje em dia sabemos que, afinal, o importante é, desde logo, prevenir a doença, e que devemos “trabalhar” em conjunto com a equipa de saúde que nos acompanha, de forma regular, e com ela dividir a missão de sermos pessoas saudáveis.

Um caixão de surpresas

Uma destacada militante do Partido Social Democrata, que também já foi sua líder mor, disse que o seu partido não era nenhum saco de gatos. Lamentavelmente muitos críticos entenderam exactamente o contrário, ou seja, que o PSD seria isso mesmo, sem apelo e com agravo.
Pessoalmente também entendo que não, que é por demais óbvio que não há gatos e muito menos ratos no PSD ou em qualquer partido que se preze. Tal seria um contra-senso, de resto, dado que gatos e ratos não se dão lá muito bem.
Quanto a mim o PSD é, isso sim, uma grande caixa de surpresas. Um caixão, melhor dizendo, tantas, tão grandes e tão surpreendentes elas são e tendo em conta também que o seu destino poderá ser a cova política. Ao fim e ao cabo o PSD é o espelho do Regime.
Já para os presunçosos partidos de esquerda o PSD é uma verdadeira caixa de Pandora, um jarro mais precisamente, dado que esse foi de facto o artefacto oferecido a essa primeira mulher da mitologia grega, no qual todos os males do mundo se acoitavam.
Jarro de vidro ou de barro, não importa, que Passos Coelho entreabriu e agora Rui Rio fragorosamente partiu, libertando inesperados infortúnios e malefícios, sem que se possa imaginar quando e como a tormenta irá terminar. Afinal o diabo de Passos Coelho morava dentro do próprio PSD, somos levados a concluir.
Tudo isto está a ser particularmente triste e frustrante para muitos portugueses, militantes ou simplesmente simpatizantes do PSD que, como agora se constata, depositavam infundadas esperanças em Rui Rio, a quem tinham como um político pragmático, um paladino da ética política e um acérrimo defensor das tão ansiadas reformas do Regime e do Estado e que, por isso mesmo acreditavam que ele iria acordar muitos abstencionistas, com efeitos salutares na deprimida democracia portuguesa.
Foi esta auréola de Rui Rio que se esfumou ruidosamente dando lugar à imagem de um líder titubeante, que dificilmente encontra pessoas credíveis que com ele queiram trabalhar e que ainda não mostrou saber lá muito bem o que quer e muito menos para onde vai.
Rui Rio, até mais ver, por azar ou inabilidade, apenas conseguiu transformar a esperança, que também estava aprisionada no jarro de Pandora do PSD, no pior dos malefícios.  
Porque o mais provável, agora, é mesmo que António Costa alcance a maioria absoluta nas próximas legislativas, que a Geringonça se desconjunte, que o presidente da república fique refém do PS e que o CDS de Assunção Cristas acolha a multidão de desiludidos do PSD, uma vez que Rui Rio não será capaz de fazer o pleno no seu próprio partido.
Contudo, manda o bom senso que se diga que ninguém pode prever com rigor o comportamento do PSD nos próximos tempos e muito menos se António Costa será capaz de corrigir e fazer esquecer os fragorosos fracassos da sua administração, por mais que os ventos económicos continuem de feição.
Em qualquer caso a maioria absoluta do Partido Socialista seria um mal maior que o próprio monstro do Bloco Central, só mesmo comparável à de um governo do PS com o BE. A má memória da governança de José Sócrates, que ainda queima, aí está para o sugerir.
Uma coisa é certa: a democracia portuguesa precisa de ser reformada ou mesmo refundada. Portugal não pode continuar a sofrer eternamente as injúrias sistemáticas de um Regime imoral, por mais legítimo que ele seja.
Bem pode o PSD, portanto, tratar de arranjar uma nova imagem, um novo líder, uma nova direcção e um novo rumo, enquanto é tempo. Para bem de Portugal e da democracia.
 
Este texto não se conforma com o novo Acordo Ortográfico.